A escassez de água que destrói colheitas, inundações que perturbam cadeias de distribuição ou incêndios que deixam um rasto de destruição são riscos climáticos que as empresas têm de acautelar. Estes riscos já têm impacto no financiamento de diversos negócios e investimentos, exigindo uma gestão estratégica para garantir a resiliência das operações.
Alterações climáticas na Eslovénia e as suas consequências para a economia portuguesa
Em agosto de 2023, a Eslovénia sofreu as maiores cheias de que há memória, afetando dois terços do território. A chuva intensa em três dias fez transbordar muitos rios, levando o país a ativar o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. Os danos foram estimados em 500 milhões de euros. Poucas semanas depois, a Autoeuropa, em Palmela, ficou sem peças essenciais para a construção de motores, produzidas por um fornecedor esloveno afetado pelas cheias. Este evento demonstrou que as consequências das alterações climáticas podem causar impactos severos na natureza, na sociedade e na economia, mesmo a grandes distâncias, num mercado globalizado.
Aumento de fenómenos extremos e mudanças climáticas em Portugal
Fenómenos extremos como secas prolongadas, incêndios, cheias ou a subida do nível do mar estão a afetar comunidades em todo o mundo. Na região do Mediterrâneo, incluindo Portugal, são já sentidas secas prolongadas e incêndios com grande impacto na sociedade e na economia local. Gerir os riscos climáticos é, portanto, uma nova responsabilidade para empresas e instituições financeiras.
Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal, salienta que as empresas e instituições financeiras devem gerir os riscos climáticos devido ao seu potencial impacto económico, estratégico e regulatório. Estes riscos afetam empresas de todas as dimensões e setores, exigindo medidas de mitigação e adaptação para garantir a resiliência às alterações climáticas.
Avaliação europeia dos riscos climáticos
A primeira Avaliação Europeia dos Riscos Climáticos, revelada pela Agência Europeia do Ambiente em março, mostrou que a Europa não está preparada para o rápido aumento dos riscos climáticos. A Europa regista o aquecimento mais rápido do mundo. A avaliação identifica 36 grandes riscos climáticos europeus em cinco grupos: ecossistemas, alimentação, saúde, infraestruturas, e economia e finanças. Conclui que as políticas e ações de adaptação da Europa não estão a acompanhar o ritmo do crescimento dos riscos climáticos.
O sul da Europa está particularmente exposto ao risco de incêndios florestais e aos impactos do calor e da escassez de água na produção agrícola, no trabalho ao ar livre e na saúde humana. As inundações, a erosão e a intrusão de água salgada ameaçam as regiões costeiras baixas da Europa, incluindo muitas cidades densamente povoadas.
Reconhecimento dos riscos climáticos na empresa
As instituições financeiras reconhecem que os riscos climáticos são riscos financeiros e, como tal, devem ser geridos pelas empresas e bancos. Sofia Santos, CEO da Systemic, uma empresa de consultoria em sustentabilidade, destaca que a identificação dos riscos climáticos deve ser incorporada na gestão das empresas, sendo a primeira etapa compreender quais os riscos que poderão impactar o negócio. É fundamental acautelá-los.
Transformação no setor financeiro
As empresas procuram soluções no setor financeiro e encontram um setor em rápida transformação. Os bancos estão mais cautelosos nos empréstimos que concedem e apostam em produtos que promovam a transição verde, acautelando o seu próprio risco. Filipa Pantaleão salienta que haverá cada vez mais exigência de avaliação do risco às empresas por parte dos agentes económicos. Carlos Costa Pina, sócio da SRS Legal, sublinha a importância de atuar tanto do lado da procura, fomentando projetos de investimento verdes, como do lado da oferta, disponibilizando crédito, seguros e produtos financeiros verdes. Este papel do mercado minimiza a necessidade de subsidiação pública.
Setor segurador e riscos naturais climáticos
O setor segurador, apesar de não ter um grande histórico de seguros contra eventos catastróficos, está a desenvolver produtos que oferecem alguma proteção. Carlos Costa Pina enfatiza que os seguros contra eventos catastróficos deveriam ser obrigatórios, exemplificando com o risco sísmico. Defende a criação de um fundo catastrófico público para acudir a eventos dessa magnitude.
Regulamentos europeus e medidas para as alterações climáticas
Para além das alterações climáticas, as empresas têm de incorporar os diversos regulamentos europeus para tornar as operações mais sustentáveis. Em Portugal, muitas empresas são micro e PME, não sempre abrangidas pelos regulamentos, mas integradas em cadeias de valor que as vinculam a essas alterações.
Filipa Pantaleão aponta que as PME enfrentam desafios particulares como recursos financeiros limitados e acesso restrito ao capital. Desenvolver um quadro de gestão de riscos eficaz é essencial. O Guia Empresarial de Riscos e Oportunidades Climáticas do BCSD Portugal ajuda as empresas a identificar riscos e oportunidades, estabelecer um modelo de governação e quantificar o impacto financeiro.
Importância da Recolha de Dados
A recolha de dados é essencial para traçar um mapa fiável de riscos climáticos, permitindo às empresas uma visão precisa e abrangente das ameaças que enfrentam. Para responder de forma eficaz aos desafios do mercado, as empresas necessitam de sistemas de informação integrados, que possibilitem uma comunicação fluida entre diferentes áreas e departamentos. Filipa Pantaleão sublinha que a capacidade de analisar dados precisos e em alta velocidade é fundamental para gerir o ambiente de risco atual, garantindo uma resposta ágil e informada às mudanças e imprevistos.
Carlos Costa Pina destaca que a ausência de dados pode comprometer a precisão das previsões, mas o problema mais significativo é a falta de comparabilidade entre os dados disponíveis. Esta falta de uniformidade pode distorcer as decisões de investimento e gerar ruído informativo, dificultando a tomada de decisões estratégicas. As propostas da União Europeia relativas às ‘green claims’ e ao dever de diligência representam um passo importante na direção certa, promovendo a transparência e a responsabilidade na comunicação ambiental, o que contribuirá para uma tomada de decisão mais informada e confiável.
Identificação de oportunidades e consequências das alterações climáticas
A recolha de dados permite identificar oportunidades a vários níveis, resultando na poupança de custos ou no aumento de receitas. Sofia Santos exemplifica que o combate às alterações climáticas pode dar origem a novos produtos e serviços destinados a ajudar outras empresas a diminuir o seu impacto ambiental. Estes podem incluir materiais de construção mais sustentáveis e sistemas de gestão mais eficientes, que não só contribuem para a sustentabilidade como também oferecem vantagens competitivas no mercado.
Para implementar energia verde, as empresas podem adotar várias estratégias, tais como a instalação de painéis solares nos seus edifícios, a utilização de sistemas de aquecimento e arrefecimento geotérmico, e a contratação de fornecedores de energia renovável. Adicionalmente, é crucial investir em tecnologias de eficiência energética, como a iluminação LED e equipamentos de baixo consumo, bem como promover práticas de conservação de energia entre os colaboradores. A integração de soluções de energia verde não só reduz a pegada de carbono das empresas, mas também pode resultar em poupanças significativas a longo prazo.
As empresas precisam de analisar e gerir os riscos climáticos para garantir a sustentabilidade e a resiliência dos seus modelos de negócio. Este processo, embora complexo e exigente em termos de formação específica, pode abrir portas a novas oportunidades de negócio e aumentar o potencial de exportação. Filipa Pantaleão conclui que esta abordagem não só reforça a capacidade das empresas em enfrentar desafios ambientais, como também lhes permite explorar novos mercados e inovar nos seus produtos e serviços.